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CEMITÉRIOS TÊM ALMA

Patrícia Bueno

Por Portal Evidência em 28/10/2022 às 23:13:33

Patrícia Bueno

Os cemitérios sempre foram inspiradores pra mim. Até mesmo na infância, quando quase nada sabia sobre a morte. Gostava de visitar o campo santo em Trajano de Moraes. Íamos a pé, por uma estradinha de chão que, em determinadas épocas, nos brindava com flores e morangos silvestres em suas margens. Ao final desse caminho, tínhamos que vencer uma ladeira de paralelepípedos, chegando ofegantes ao destino.

Quem diria que a atração por cemitérios me levaria até as páginas de um livro sobre este lugar que ainda é tão temido por tanta gente? Parece ironia, mas o local que, todos os dias, é cenário para tristes despedidas foi o mesmo que me uniu à historiadora Sylvia Paes, no livro "Oculta Exuberância – Cemitérios como Museus", obra que orgulhosamente ilustro com fotografias e que será lançada na Bienal do Livro de Campos, agora, em novembro.

Desenterrar tesouros da história num mar de sepulturas a perder de vista não foi uma tarefa tão difícil como imaginei. Foi como se as cenas me atraíssem, nas irmandades e corredores estreitos por onde passamos. Assim, nasceram imagens como sombras projetadas pelos portões de ferro, passarinhos pousando e posando pra mim sobre crucifixos e esculturas de rara beleza.

Ah, as esculturas! Melhor do que falar sobre elas é fotografá-las. O misto de melancolia e beleza nas formas perfeitas quase quebra a frieza do mármore. Aquelas expressões nos remetem aos espaços mais íntimos da dor e da saudade em um realismo impressionante. Elas parecem ter vida. Vida em meio ao território da morte.

E assim eu e a Sylvia passamos algumas tardes para a produção do livro. Ela pesquisando. Eu registrando. Nós duas vibrando a cada descoberta, a cada detalhe que jamais ultrapassaria aqueles pesados portões, se não fosse esse trabalho feito com tanta paixão e entrega.

Para mim, a poesia está nos quatro cantos do cemitério. No rosário empoeirado sobre a cruz, na chama insistente da vela que desafia o vento e ainda queima sobre a sepultura, no retrato em preto e branco de moldura delicada, na flor que nasce sobre a tampa quebrada de um jazigo, no balé das árvores gigantes, brincando com os raios de sol e quebrando o silêncio pesado da morada dos mortos. Visitar cemitérios pode ter mais significado do que se imagina. Porque cemitérios têm alma. Sob seu solo fértil descansa parte significativa da nossa história.




Fonte: Patrícia Bueno

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